Áreas de Actividade:

Forças Motrizes do Desenvolvimento (Demografia e PIB; Mercado de Trabalho; Sectores Produtivos e Políticas de Desenvolvimento; Estruturas Sociais e Económicas; Cooperação Internacional e os Média); Subsistema Social e Governabilidade (Instituições e Políticas Sociais e Ambientais; Saúde, Educação e Ensino; Objectivos do Milénio; Prevenção e Gestão de Conflitos; Emigração/Imigração; História dos Povos e Países Lusófonos; Questão do Género); Subsistema Natural (Meteorologia e Clima (matriz física); Espaços Naturais e Biodiversidade; Transformação da Matriz Ecológica – Impactos Derivados); Subsistema Ambiental (Mobilidade e Infra-estruturas; Gestão das Águas (águas de abastecimento e residuais); Gestão de Resíduos; Gestão Energética; Segurança Alimentar e Nutricional).


Os alunos do Mestrado em Lusofonia: Economia, Políticas e Culturas da ULHT poderão desenvolver a sua investigação no âmbito desta linha.

"Viagem ao tecto mundo: o Tibete desconhecido"

INTRODUÇÃO


País das Neves Eternas, Tecto do Mundo ou Shangri-la, são algumas das expressões mais comuns quando queremos referir-nos ao misterioso e esotérico Tibete. Porém, a verdade é que tais palavras se revelam insuficientes para definir a grandiosidade e amplitude desta extensão de terra nos confins dos Himalaias.

Fonte de fascínio para o mundo exterior, o Tibete esteve “apartado” do Ocidente pelo menos até ao início do século XVII, altura em que jesuítas portugueses instalados em Goa, incitados pelos rumores de que ali existiriam comunidades cristãs, abriram o caminho a uma série de exploradores e aventureiros que apenas quase três séculos mais tarde depois ousariam partir em busca das riquezas materiais e espirituais dessa nação.
Lhasa, a capital, era conhecida como a “Cidade Proibida”, tal era a dificuldade em obter autorização para a visitar, mas, quando em meados dos anos 80 do século passado, as suas portas se abriram ao turismo, o Tibete deixou de ser o reino escondido que alimentava os sonhos dos mais curiosos. Mais de trinta anos de ocupação chinesa daquele planalto estratégico, na sequência da implantação da República Popular da China em 1950, e o exílio de cem mil tibetanos, entre os quais o seu líder espiritual, o Dalai Lama, deixaram marcas indeléveis no legado cultural e histórico. A ocupação levou também, inevitavelmente, a uma chegada em massa de migrantes chineses. Acessível e tolerante, o povo tibetano deixou-se permeabilizar pela influência e cultura chinesas, perdendo muita da sua graça e originalidade. Todavia, alguns observadores comparam o momento actual à renascença tibetana do século XI, quando o budismo voltou a ser instaurado no país depois de dois séculos de perseguições. Lentamente, esta cultura milenar começa a reconstruir o seu mundo.
Um pequeno passeio pela praça de Barkhor ou uma visita a Jorkhang, o mais sagrado dos templos, é suficiente para constatarmos que a tentativa de edificar um “admirável mundo novo” no planalto tibetano esbarrou contra a espantosa fé dos seus habitantes. Com um património de mosteiros notáveis, paisagens de alta montanha estupendas, extensos lagos cristalinos e rotas de peregrinação lendárias, o Tibete continua a ser uma das regiões mais belas do planeta.
E se para o viajante atento, qualquer deslocação ao Tibete será, simultaneamente, uma experiência inesquecível e perturbante, para um português, uma viagem destas pode assumir um carácter muito especial. Digo isto porque, em certa medida, considero que o Tibete foi um dos últimos destinos dos Descobrimentos, apesar de n’ Os Lusíadas, se valorizar uma nação de marinheiros intrinsecamente ligada ao mar e ignorar os que se aventuravam pelo interior dos continentes americano, africano e asiático, como foi o caso dos jesuítas, que desafiaram os Himalaias.
Em 1624, após uma duríssima travessia através dos “desertos de neve” que separam a Índia do Tibete, o padre António de Andrade chegou a Tsaparang, a capital do reino tibetano de Guge. Efectuaria nova viagem, dois anos mais tarde, desta feita acompanhado por Manuel Marques. Andrade foi o primeiro ocidental a visitar o Tecto do Mundo, na altura associado ao mítico reino do Cataio, onde chegou a construir uma igreja e fundou uma missão católica que funcionaria até 1640. O seu primeiro relato, intitulado Novo Descobrimento do Gram Cathayo ou Reinos do Tibet, foi publicado em 1626 e rapidamente traduzido nas principais línguas europeias.
António de Andrade, Francisco de Azevedo, João Cabral e Estêvão Cacela, verdadeiras e únicas autoridades em matéria de tibetologia até à segunda metade do século XVIII, também deixaram registos das suas viagens. Durante mais de um século, entre 1624 e 1746, a Europa nada mais soube sobre o Tibete para além daquilo que os portugueses lhes transmitiram; não obstante, quando hoje se fala do estudo e de conhecimentos pioneiros desta região do planeta, são os nomes de Desideri Ippolito (jesuíta italiano que viveu no Tibete um século depois de António de Andrade), Sven Heiden ou Francis Younghusband (respectivamente, explorador sueco e militar inglês, ambos do início do século XX) os mais referidos, e nunca os dos pioneiros portugueses.
Aos nomes de Andrade, Marques, Azevedo, Cabral e Cacela, podemos juntar muitos outros praticamente desconhecidos: Diogo de Almeida, Gonçalo de Sousa, Francisco Godinho, António Pereira, António da Fonseca, Manuel Dias, Félix da Rocha, entre outros, ficarão para sempre ligados à história do Descobrimento do Tibete pelos europeus. Para estes homens, movidos por uma fé profunda, a empresa tibetana era a resposta a um apelo divino numa região desconhecida que tinha o valor que a Terra Prometida tem para os judeus. Já o profeta Isaías falara da existência de “uma nação que vive numa montanha muito alta de onde correm rios poderosos”, descrição que encaixa na perfeição com o cenário natural do monte Kailash e do lago Manasorovar que, conjuntamente com a cidade de Tsaparang, constitui o cerne geográfico deste livro, inspirado nos passos e relatos destes homens.